quarta-feira, setembro 26, 2007

cidade sem horizonte

SÃO PAULO Efiência. Disso você só se apercebe quando sai de São Paulo, a cidade mais eficiente do Brasil. Onde as coisas - pro bem ou pro mal - acontecem. E tão diversa, tão densa, tão paradoxal, cada um tem a sua São Paulo. Pràlguns, a Paulicéia Desvairada, pra outros, a Rita Lee - mais completa tradução? - e pra esses, céu, pra aqueles, inferno. São Paulo da garoa - onde? -, de Piratininga... Cada um tem o seu ponto de vista pra essa cidade, cujo melhor adjetivo que se lhe pode agregar é eficiente.

São Paulo não tem horizonte - eu disse sem rumo? Sobe aquela ladeira lá, sobe. Sobe até o fim. E vai se deparar com um paredão de prédios, ou um amontoado de árvores: o que quer que seja. Não vai ver o horizonte.

Se você mora em São Paulo, tenta fazer diferente. Se ver de fora da cidade, sair da massa. Veja-la inteira. Não, não digo subir no Banespa, ou no Pico do Jaraguá e ficar vendo a cidade. Não é isso, não. Distancie-se. Fique alguns instantes vendo a cidade pelo ângulo de dentro, de fora. Mas não muito!, senão vai se perder...

A eficiência não é pra qualquer um. É pra quem aguenta viver errante, sem resposta, sem horizonte. Um preço caro por uma cidade nem tão bonita. Nada, ou pouco de maravilhosa. Mas interessantíssima e única e igual a todas as outras.

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quinta-feira, setembro 13, 2007

freud, sem complexo

FREUD Édipo mata o pai e casa com a mãe. Tudo isso regado na melhor concepção trágica grega, com todos os pingos nos is. Aí vem o senhor Freud e institui o Complexo de Édipo. Recheado de complexidade psicanalítica, Egos e Ids. Alguns pesquisadores dizem e insistem que o incesto não aconteceu na "realidade", ou na primordial essência, do mito. Explico. Há quem diga que a tragédia original de Édipo se resume ao assassinato do pai, e que o casamento com Jocasta seria legítimo - já que esta não seria na realidade sua mãe. Sofócles teria apenas incrementado a história, dando-lhe um tom mais trágico. Essa teoria desbanca Freud. Verdade? O que muita gente confude é, não!, Édipo não sofria do Complexo homônimo.

A tragédia de Édipo - escrita por Sófocles, necessário salientar - é usada por Freud como uma mera alegoria, referência metafórica para o seu estudo. O Complexo de Édipo não é uma leitura freudiano-psicanalítica da tragédia, massim um fenômeno real(?), cuja essência é evidentemente análoga ao enredo peça. Édipo-personagem não sofre de Édipo-complexo. Isso seria incompatível tanto com o mundo grego e como com o trauma freudiano. São apenas duas coisas independentes que compartilham o mesmo nome, por associação do Freud - que pode ter sido infeliz.

O negócio é ler. As duas. E tirar as conclusões. O que eu escrevi aqui é óbvio, mas - pasme - há quem confunda.

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segunda-feira, setembro 03, 2007

epische Geschichte

LYGIA FAGUNDES TELLES Eu nem precisava voltar lá. Já tinha ido, já tinha me divertido, já tinha palhaçado com os amigos, já tinha comprado todos os livros que me apeteciam (ou o dinheiro já se tinha esgotato?), enfim. Mas ao descobrir que dali alguns dias Lygia Fagundes Telles estaria falando do Invenção e Memória naquela Bienal do Livro, não me contive e voltei.

Cheguei atrasado, mas consegui arranjar um lugar bom. O auditório não tava tão cheio, e também não era grande. Sentada, numa poltrona azul, estava ela lá, com o microfone na mão. Falou do Largo São Franscisco, de Mário de Andrade, Natal na Barca, escrever, a escola romântica, Hilda Hilst?, sonhar... Tudo ali, pra algumas fileiras a frente.

Ao final da palestra, foi dada a largada, e os - muitos - interessados se aglomeraram em volta da poltrona, pra conseguir um autógrafo, uma troca de palavras com a escritora. Entre os desesperados, estava eu, segurando meu livrinho (comprado dois anos antes do acontecido por coincidência na Bienal do Livro anterior), torcendo. A "fila" desregrada foi andando, fui me aproximando, as pessoas foram saindo.

Eis que os seguranças - como a uma Madonna? - fizeram um círculo em torno dela, num gesto que aqui certamente significa algo como "se mandem seu bando de fanático, que ela vai embora". Bateu um desespero. Argumentei com um segurança "Moço, eu vim aqui só pra falar com ela, por favor. Não quero muito, só um aperto de mão!". Ele virou com toda a displicência que é característica de todo segurança, e disse "não posso fazer nada". Ah, mas podia, o feladaputa.

O desespero foi mais forte, me esgueirei por entre os seguranças e cutuquei o ombro dela, "Dona Lygia?", ela se vira e eu completo "só um aperto de mão?". E ela me estende a mão com uma fisionomia séria ainda que absolutamente confortante, agora não tinha segurança que me impedisse. Eu falei alguma coisa que agora não consigo me lembrar o quê. Algo como "boa parte da minha estante é dedicada à senhora, se puder..." E entreguei meu livro. Ela abriu, e
- Seu nome?
- Miguel.
- Miguel! Adoro esse nome! Direto!, sem delongas, esses nomes longos que as pessoas põem...

Assinou, pôs lá, "Para Miguel, lembrança de Lygia Fagundes Telles". Saí de lá com três coisas. Um autógrafo da escritora que mais considero. A melhor definição do meu próprio nome. E um mote: viva e destrua barreiras, a começar pelas humanas.

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