domingo, outubro 28, 2007

um tal de sousândrade

SOUSÂNDRADE

Da Harpa XLV

Eu careço de amar, viver careço
Nos montes do Brasil, no Maranhão,
Dormir aos berros da arenosa praia
Da ruinosa Alcântara, evocando
Amor... Pericuman!... morrer... meu Deus!
Quero fugir d'Europa, nem meus ossos
Descansar em Paris, não quero, não!
Oh! por que a vida desprezei dos lares,
Onde minh'alma sempre forças tinha
Para elevar-se à natureza e os astros?
Aqui tenho somente uma janela
E uma jeira de céu, que uma só nuvem
A seu grado me tira; e o sol me passa
Ave rápida, ou como um cavaleiro:
E lá! a terra toda, este sol todo -
E num céu anilado eu m'envolvia,
Como a água se perde dentro dele.

Ingrato o filho que não ama os berços
Do seu primeiro sol. Eu se algum dia
Tiver de descansar a vida errante,
Caminhos de Paris não me verão:
Através os meus vales solitários
Eu irei me assentar, e as brisas tépidas
Que os meus cabelos pretos perfumavam,
Dos meus cabelos velhos a asa trêmula
Embranquecerão: quando eu nascia
Meu primeiro suspiro elas me deram;
Meu último suspiro lhes darei.

E falar de Sousândrade é algo complexo: o poeta mais avesso da literatura brasileira. Incomprehendido, a frente do seu tempo, tido como louco, uma série de cousas... Esse poema aí em cima, a Canção do Exílio desse poeta mostra como é evidente a sua discrepância do resto do movimento romântico brasileiro. Só um exemplozinho prático pra começar, Sousândrade foi o único que louvou o sol. Enquanto astro, enquanto deus, enquanto fonte de inspiração. Ao passo que os românticos corriqueiros falavam do sol só na madrugada, ou no seu poente, ou pra falar das belezas tropicais do Brasil.

Uma linguagem complicada, Sousândrade. Em termos gramaticais como colocação pronominal, concordância de verbos, regência de substantivos, ele quase-que destruiu a "licensa poética" pra construir uma linguagem própria - como (bem!) mais tarde fariam Mário de Andrade, Guimarães Rosa e derivados. Em termos estilísticos, neologismos, estrangeirismos e uma nova construção formal são alguns exemplos da inovação de Sousândrade. Mas a justificativa pra essa transformação da sua linguagem poética é diferente da dos escritores modernos. O poeta tem uma preocupação romântica com a escrita: a adapta para as suas causas românticas, só-que de forma diferente dos outros. "Da Criação o amor em gêmeos, dois amores,/ Corpos vibrantes dois, duas almas psíquicas palmas/ Os corações em luz, carnariums, sangues, dores/ E o ideal Prometeus, a ideal imagem-deus." A imagem de Adão e Eva, banhada de pura estética romântica em linguagem sousandradiana.

Um romântico perdido. Sua influência para a poesia brasileira foi mínima. Ninguém lê Sousândrade, ninguém nunca leu Sousândrade (até talvez os irmãos Campos o terem redescoberto), ninguém give a shit. Na maior parte das antologias ele não está presente e nas grandes Histórias da literatura brasileira o seu nome se limita a ser citado em uma linha - no máximo dois parágrafos. Pioneiro no que fez?, sim! e em muitos aspectos. Mas de nada adiantou. Ele transformou a sua poesia num momento em que jammais seria aceita, e pior, num contexto estético-histórico em que apenas pessoas de uma visão de mundo muito ampla poderiam apreciar.

Não culpo os românticos e seus contemporâneos. Nem o próprio Sousândrade. E também não acho uma pena ele não ter deixado seguidores, ter sido esquecido. Foi bom: as coisas sem ele correram bem. O que falta, agora, é disseminar, fazer ele ter o seu lugar de destaque - não como poeta fundador da poesia moderna brasileira, nem como semente das transformações estéticas, massim como romântico original, esquecido, incomprehendido e louco que foi.

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quarta-feira, outubro 10, 2007

O meu sonho é virar personagem.

Eu não tenho medo de morrer, não. E sabe por quê? Porque quando a gente morre, a gente vira personagem.

quarta-feira, outubro 03, 2007

conclusões caramújeas

[Não estranhe a longuidez desse texto. Entenda o tom metafórico. Baseado em fatos reais.]

Eu já disse aqui, neste mesmo blog, que certa vez, faz não muito tempo, ouvi a seguinte frase, "A ingenuidade hoje em dia é quase subversiva." Retruquei, fiz, falei. Só-que agora as coisas se esclarecem: vou lhes contar uma historieta.

Faz 3 semanas instalou-se num vazo largo de planta de uma varanda ao 9º andar de um prédio paulistano – lugar esse que pretende ser uma metrópole, inhabitada por animais – um caramujo. A princípio paraceu-nos absurda a idéia de um caramujo, “Tira ele daqui e joga no canteiro lá embaixo”, diziam os mais anojentados, “Joga sal!, joga sal!”, os mais sádicos. Mas na verdade a presença espiracaracolada do caramujo, e talvez as indagações de como o bicho subira até aqui, ou ainda o ressentimento infantil de dois filhos que nunca tiveram um animal de estimação (naturalmente não estamos falando dos domesticáveis, massim dos estimáveis) fez com que amavelmente nos acostumássemos ao caramujo, à sua fome inesgotável pelos feijões plantados pelo vaso, pelos musgos, e até por algumas sementes de alface, à sua caganeira pelas paredes da cerâmica, e à sua amigável timidez que nos pareceu sempre simpática. Ah, a timidez caramújea. Adoravelmente incrível como um simples cutucar de vareta pode envergonhar um caramujo, o qual – rápido! fagueiro! - se esconde dentro da sua concha espiralada. De fato, uma visão fascinante. Pusémos-lhe o nome de Biesdrúxulo, tornou-se amigo, da família, um agregado. E essa amizade era recíproca. Nós lhe dávamos comida, moradia – ele não saía de onde estava, e não por incapacidade, podem estar certos disso. E ele em troca era um animal de estimação, uma intriga misteriosa e agradável. Conversávamos sempre, alguém da família com um borrifador de água em cima do bicho, a dar-lhe alguma umidade, e ele encolhia os olhos – antenas? – e deixava-se molhar com alguma facilidade.
Mas como tudo nessa vida, a felicidade envolvente e cíclica entre nós e o caramujo começou a se abalar. O gastrópode comia demais. E isso passou a ser um transtorno. Arrancar as folhinhas dos feijões começou a ser visto como uma judiação às plantas, e, mais que isso, o animal comia todas as sementes de alface antes mesmo que elas resolvessem começar a brotar. O pequeno ecossistema do vaso entrou em desequilíbrio. Até que veio a gota d'água e – para a felicidade dos senhores que se valeram do tempo para ler-me – o ponto onde eu queria chegar nessa história.
Anteontem, ao primeiro dia de outubro, depois do meu almoço fui ver o estado do caramujo. Ele dormia, aparentemente, grudado na parede do vaso como de costume. Isso me desapontou. Queria o bicho acordado, vivo, se mexendo gosmentamente pela terrinha do vaso. E para que o meu desejosinho infantile fosse realizado, cutuquei-o com um galhinho, até que as ventosas dos seus pés – gastrópodes? – se desgrudassem da cerâmica do vaso, e a gravidade fizesse o que sabe melhor fazer. O bicho caiu, mas não saiu da cocha, o que de fato me deixara muito desapontado, e, por uma falha da minha mimada personalidade pueril que vinha à tona na presença do caramujo, resolvi derrubar-lhe água – sob a justificativa de regar a planta. Então ele saiu, gosmento, lesmático, marrom-acinzentado de dentro da sua concha. E eu fiquei observando, observando. Incrível é, se vocês me permitem um parênteses, mas é sempre possível ao leitor pular o que já está escrito, incrível é notar como as pessoas subestimam a velocidade de um caramujo, que, na verdade, é muito mais rápido do que se pode imaginar. E nessa velocidade metafórica, ou secreta, Biesdrúxulo resolveu andar pelas não tão vastas dependências do vaso. No caminho encontrou algumas iguarias apetitosas: um galho fino de alguma planta velha, um folhinha pequena de feijão, musgos e. Por debaixo da raiz da grande planta do vaso (da qual ainda não falei porque a matéria em questão não é ela, e o cenário em que vivia o caramujo podia-se limitar ao vaso até o momento) nascia um pequenino brotinho de feijão. Venceu a terra, duramente, envergou por debaixo da raíz da grande planta, até achar aliviado um bocado de sol com que se deleitar. Era um projeto de planta intocável, a juventude transbordava daquele pequeno broto de feijão torto, envergado. Eis então que Biesdrúxulo, o caramujo, notou sua presença.
Pondo-se de ponta cabeça por debaixo da raíz, foi possível ver sua boca alcançar o pequeno tronco do verde brotinho. Aproximou-se e começou a roê-lo. Roeu-lhe de baixo para cima, roeu-lhe lânguida, depravadamente, roeu-lhe de uma forma obsena, uma afronta à juvenil inocência do broto de feijão. Eis então que o broto caiu. E o caramujo, não contente em retarlhar-lhe qualquer pretensão de vida, começou, pela ponta, a comê-lo, a sugá-lo, a devorá-lo rápida e demoradamente, na velocidade frívola dos caramujos. Imoralidade. A sua languidez viscosa, depravada engoliu o cabo do broto, e assim, acabou-lhe com a vida.
Não impedi Biesdrúxulo de atingir a plantinha. Não teria como, cedo ou tarde ele a destruiria, quando eu estivesse longe, distraído com outra coisa. Tomei uma decisão, que acabará com essa história, e que logo lhes contarei qual é para chegar às conclusões: à tarde pegarei Biesdrúxulo e o levarei para um terreno baldio ao lado, onde há muitas plantas com que ele pode se deliciar. Mas dentro de casa, não mais.

Enfim, o caramujo me ensinou alguma coisa, afinal. Além de uma convivência de 3 semanas com um animal extremamente surpreendente, pude tornar os olhos pra mim mesmo. Fiquei pasmado com a afirmação que ouvi, certa vez, hàlgum tempo de que "a ingenuidade hoje em dia é quase subversiva." Mas agora eu vejo isso com outros olhos. Nunca tinha antes percebido, e foi o bicho que me fez acender essa luzinha dentro da minha cabeça. Pasmem senhores – os incrédulos se forcem a acreditar: é a mais pura verdade –, mas essa semana eu finalmente descobri: a minha ingenuidade sempre foi subversiva.

segunda-feira, outubro 01, 2007

tom e gran finale

PARAÍSO TROPICAL Foi em tom de Nelson Rodrigues que se descobriu quem matou Taís. Câmera aberta, todos os personagens ao mesmo tempo em cena. Antenor segurando o filho recém descoberto - morto - choramingando, troca de tiros entre irmão, som surdo. A razão toda pela morte da Taís foi banal. Não mataram a Taís. Mataram a informação que ela sabia. Em compensação todas as outras tentativas de morte tinham um embasamento bom.

Olavo era um incompetente. Não conseguiu matar Antenor, Marion, e não adiantou muito fazê-lo com o Ivan. A trama final em si era boa. Sim, o lance dos irmãos, filhos perdidos do Antenor (que pra quem começou a novela com um filho morto, saiu com um saldo de 4), etc, etc... Mas o que pega - e é aí que o problema começa - é que era fácil deduzir quem matou a Taís, os suspeitos eram vários (Heloísa, Paula, Antenor, Olavo, Bebel...). Agora o que é difícil é saber o motivo. E sem saber o motivo, o assassino pode ser qualquer um.

O fato é, motivo inventa-se 30 minutos antes da novela ir ao ar. Particularmente não creio que isso tenha acontecido com o Gilberto Braga. Mas ele também não deu pistas de nada. Deixou tudo para o grande final, sem a menor possibilidade de dedução do espectador. Ninguém tinha como descubrir, não dava margem. E assim perde a graça do mistério. Naturalmente não precisava ficar explícito. Mas podia ficar ligeiramente indicado.

Assim fica fácil. Se você quiser que a Bebel seja irmã da Marion, é possível. Ah, mas se o Belizário foi na verdade o pai do Olavo, também a coisa muda. É simples fazer a secretária ser irmã da chefona, nada de matar por dinheiro.

Mas valeu a novela. Valeu pelo decorrer, que durou bastante tempo e foi muito bem feito. Mas, realmente, o difícil é fazer bolo que fique bom nas bordas. Gilberto Braga errou. No começo, e no final.

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