domingo, agosto 23, 2009

o buraco é muito mais em cima

LEI DE ANISTIA Neste sábado, o ministro da Justiça, Tarso Genro, disse que os torturadores da época da ditadura militar deveriam ser levados aos tribunais, durante a comemoração de 30 anos da aprovação da Lei de Anistia no Brasil. Segundo o ministro, julgar esses casos seria fundamental para que os direitos humanos sejam internalizados pela sociedade e pelas instituições.

A afirmação sucitou uma polêmica muito interessante. A lei não concede "anistia a todos quantos (...) cometeram crimes políticos ou conexo com estes"? Não estariam, portanto, os torturadores dentro desse grupo? Tortura é crime, mas esses crimes que aconteceram por motivo político no período entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979 não estão anistiados?

Sou leigo no assunto, portanto minha concepção de "crime político" é um tanto quanto vasta e cabe pouco ao caso. Mas acho que essa discussão, num âmbito mais teórico, nos traz à tona a definição de crime político. Se pensarmos que o crime político é aquele que o civil comete contra o Estado, podemos considerar também políticos os crimes que o Estado comete contra os civis. Essa interpretação coloca os torturadores (que agiam inegavelmente a serviço do Estado) dentro da lista de anistiados.

Entretanto, me parece um tanto quanto descabido que o Estado cometa crimes. Em tese o Estado (que tem como obrigação a criação, aplicação e fiscalização de leis) não deveria entrar em contradição e agir contra a lei que ele mesmo cria, aplica e fiscaliza. Mas estamos tratando de questões que envolvem um Estado autoritário que é passado: sua concepção e estrutura devem ser abolidas. Então devemos encarar essas questões segundo as necessidades sociais de agora. Essa contradição em que entrou o Estado brasileiro na época da ditadura não pode passar impune. Essa mentalidade de que o Estado pode cometer crimes contra os civis é inaceitável hoje em dia, principalmente tendo em vista a internalização dos direitos humanos, para citar as palavras do ministro. É claro que o Estado brasileiro na época militar agia às escondidas. Mas a população estava ciente do que acontecia e aceitava. E eis mais uma contradição em que entrou a ditadura: agia ilegalmente com complacência da sociedade.

Mas é igualmente necessário que essas investigações propostas pelo ministro ocorram levando-se em consideração o momento político por que passava o país. Os torturadores, imagino eu talvez ingenuamente, agiam a mando de pessoas que ocupavam cargos superiores. Quem tem que ser majoritariamente punido, não são os torturadores em si, mas as pessoas que mandavam torturar e aquelas que sabiam da tortura e nada faziam para evitá-la. Punir apenas os torturadores criará uma falsa imagem de que o problema está resolvido, sendo que o buraco é muito mais embaixo (ou, hierarquicamente, em cima). Não punir essas pessoas perpetuará a ideia da tortura, e isso, além de perigoso, é absolutamente condenável.


Toda a forma de violência por parte do Estado tem que ser combatida. Não desatar os nós malignos do passado significa deixar largada a semente (que me parece muito germinável em solo brasileiro) do autoritarismo, sempre bem regada pela passiva e engasgada inércia da brava gente brasileira.

Fontes:
[Uol Política, dia 22 de agosto de 2009.]
[Lei de Anistia, dia 28 de agosto de 1979.]

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